RESCISÃO INDIRETA DO CONTRATO DE TRABALHO
RESCISÃO INDIRETA DO CONTRATO DE TRABALHO
Por Dr. Romero Agustinho Martins, advogado
trabalhista com mais de 10 anos de experiência em defesa dos direitos dos
trabalhadores.
No
Brasil, a relação de emprego pressupõe uma prestação de trabalho subordinada,
onerosa e contínua, e seu encerramento normalmente ocorre por iniciativa do
empregador (demissão) ou do empregado (pedido de demissão). Porém, há uma
hipótese especial em que é o próprio empregador quem comete uma “falta grave”
que torna insustentável a continuidade do vínculo — nesse caso, o empregado
pode requerer a rescisão indireta do contrato de trabalho. Em outras
palavras: a rescisão indireta é quando o trabalhador considera o contrato
encerrado por culpa do empregador, e passa a pleitear como se tivesse sido
demitido sem justa-causa (com todos os direitos que daí decorrem). Esse
mecanismo está previsto no art. 483 da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT
e está em consonância com princípios constitucionais como dignidade da pessoa
humana, valor social do trabalho e função social da empresa, garantidos pela
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
DÚVIDAS FREQUENTES
1. O
que é exatamente a rescisão indireta?
R: É a modalidade de encerramento do contrato de trabalho em que o empregado
considera rescindido o contrato porque o empregador cometeu uma falta grave,
nos termos do art. 483 da CLT. A partir desse reconhecimento, ele pleiteia as
verbas devidas como se tivesse sido dispensado sem justa-causa.
2. Onde
está prevista a rescisão indireta na legislação brasileira?
R: Está expressamente prevista no art. 483 da CLT, que elenca as hipóteses em
que o empregado “poderá considerar rescindido o contrato e pleitear a devida
indenização”. Além disso, o § 3º do mesmo artigo estabelece que, nas hipóteses
das letras “d” e “g”, poderá o empregado pleitear a rescisão permanecendo ou
não no serviço até a decisão judicial.
E há respaldo constitucional nos princípios do trabalho e da proteção ao
hipossuficiente previstos na Constituição de 1988.
3. Quais
são as hipóteses previstas no art. 483 da CLT?
R: O art. 483 dispõe (caput) que o empregado poderá considerar rescindido o
contrato quando:
a) forem exigidos serviços superiores às suas forças, defesos por lei,
contrários aos bons costumes ou alheios ao contrato;
b) for tratado pelo empregador ou seus superiores hierárquicos com rigor
excessivo;
c) correr perigo manifesto de mal considerável;
d) não cumprir o empregador as obrigações do contrato;
e) praticar o empregador ou seus prepostos, contra ele ou pessoas de sua
família, ato lesivo da honra e boa fama;
f) o empregador ou seus prepostos ofenderem-no fisicamente, salvo em caso de
legítima defesa, própria ou de outrem;
g) o empregador reduzir o seu trabalho, sendo este por peça ou tarefa, de forma
a afetar sensivelmente a importância dos salários.
O §1º permite suspensão da prestação de serviços ou rescisão se o empregado
tiver que cumprir obrigações legais incompatíveis com o serviço; o §2º prevê
que, no caso de morte do empregador constituído em empresa individual, o
empregado poderá rescindir; e o §3º trata da faculdade para pleitear
permanecendo ou não no serviço nas hipóteses “d” e “g”.
4. Em
que momento o empregado pode requerer a rescisão indireta?
R: O empregado pode formular o pedido judicialmente, por meio de reclamação
trabalhista, quando restar comprovada a falta grave do empregador. Pode pedir a
baixa da CTPS (Carteira de Trabalho) na data em que ocorreu o ato que
inviabilizou o vínculo ou na data da sentença que reconheça a rescisão
indireta. Recentemente, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) decidiu que a
data de término não precisa ser a do ajuizamento da ação, desde que o vínculo
tenha persistido até outro evento (decisão ou efetivo término) – o que evita
prejuízo ao trabalhado.
5. Quais
verbas o empregado recebe se for reconhecida a rescisão indireta?
R: O empregado recebe as verbas como se fosse dispensado sem justa-causa, ou
seja: saldo de salários, férias vencidas e proporcionais com 1/3 de adicional,
13º salário proporcional, aviso-prévio (se aplicável), liberação do FGTS com
multa de 40% (se for hipótese de lei ou convenção), guias de seguro-desemprego
(quando cabível), e demais parcelas devidas.
6. Quais
as principais provas ou cuidados que o empregado deve ter para pedir rescisão
indireta?
R: O empregado tem o ônus de provar que o empregador cometeu a falta grave
prevista no art. 483 da CLT, nos termos
combinados dos arts. 818 da CLT e 373, I, do CPC.
Importante: a falta deve ser concretamente grave a ponto de inviabilizar o
vínculo, não basta mero atraso ou descumprimento pontual. O empregado deve
reunir documentos, extratos, comunicações ao empregador, testemunhas etc.
Também convém que o trabalhador informe à empresa a situação, para que ela
tenha oportunidade de sanar, e não continue no vínculo sem ação, sob pena de
“perdão tácito”.
7. A
falta grave do empregador precisa ser imediata à ruptura do vínculo?
R: Tradicionalmente a jurisprudência exigia “imediatidade” (isto é, que o
empregado reagisse logo após a falta). No entanto, o TST já relativiza esse
requisito, especialmente quando se trata de trabalhador hipossuficiente. Por
exemplo: nos casos de não recolhimento do FGTS, o TST entendeu que a
continuidade da prestação de serviços por certo período não impede o
reconhecimento da rescisão indireta.
8. Quais
são exemplos práticos de hipóteses que autorizam a rescisão indireta?
R: Alguns exemplos admitidos pela jurisprudência:
o Atraso
reiterado no pagamento de salários ou não pagamento de parcelas contratuais.
o Não
recolhimento ou recolhimento irregular do FGTS.
o Não
concessão de equipamento de proteção individual (EPI) ou labor em condições de
risco manifesto.
o Assédio
moral, ofensas à honra, agressões físicas pelo empregador ou seus prepostos.
É importante analisar cada caso concreto para verificar se a gravidade se
configura.
9. Se
o empregado continuar trabalhando mesmo após a falta do empregador, isso impede
a rescisão indireta?
R: Não necessariamente. O art. 483, § 3º da CLT permite que o empregado
pleiteie a rescisão mesmo permanecendo no serviço. A jurisprudência do TST
também admite que se continue trabalhando após a falta, desde que reste
demonstrado que a situação se tornou insustentável. No entanto, quanto maior a
demora para agir, maiores poderão ser os questionamentos quanto a perdão tácito
ou conivência.
10. Preciso
de advogado para formular o pedido de rescisão indireta?
R: Não há proibição de que o empregado formule a reclamação trabalhista por
conta própria — o art. 791 da CLT prevê que o trabalhador pode ingressar com
ação própria. Entretanto, dada a complexidade do tema (análise de fatos, prova
de gravidade, perguntas estratégicas, designação de data de término, etc.), é
altamente recomendável contar com advogado especializado em direito do trabalho
para assegurar a correta formulação do pleito e evitar prejuízos.
CONCLUSÃO
A rescisão indireta
do contrato de trabalho é uma importante via de proteção ao trabalhador frente
a comportamentos graves do empregador que tornam a continuidade da relação de
emprego insustentável. Ela representa o reconhecimento de que o empregado não
está em situação passiva: quando o empregador viola deveres contratuais e
legais, o trabalhador tem o direito de “rescindir” o vínculo, pleiteando como
se tivesse sido dispensado sem justa-causa. Para tanto, é fundamental conhecer
o art. 483 da CLT, observar as hipóteses (alíneas a a g), reunir provas
adequadas, observar critérios de gravidade e agir de forma tempestiva. Na
prática, o reconhecimento judicial dessa modalidade depende da análise dos
fatos de cada caso, da demonstração de que o empregador cometeu falta grave e
de que o vínculo se tornou inaceitável para o empregado. Por isso, o
acompanhamento por profissional especializado pode fazer grande diferença. Para
o trabalhador que se encontra numa situação de desequilíbrio, essa figura
jurídica oferece uma alternativa legal e legítima para buscar seus direitos.
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